quarta-feira, 6 de abril de 2011

Politiquices

Quantas mais trapalhadas havemos ainda de aguentar ao agónico governo de Sócrates, Teixeira dos Santos (pobres dos seus ex-alunos da FEP), Jorge Lacão e companhia?
A pungente telenovela da derrapagem das contas públicas é apenas mais uma trapalhada, mas receio bem que não seja a última.
Há muitos anos que não tínhamos, em Portugal, um governo tão trapalhão e desqualificado como este (depois do Santana Lopes é claro).
Será que depois de mais esta inequívoca demonstração de incompetência política e financeira, ainda os há que ousam criticar o Presidente da República pela decisão de aceitação da demissão dos citados incompetentes?...
Quem gostaria de os ter como amigos, como confidentes e ainda de os ter como governantes? Certamente que para além dos do costume…, os do costume certamente.
Por diferentes razões, não suporto nenhum deles.
Não os conheço, nunca me cruzei com eles a não ser daquela vez em que circulava calmamente no meu “ram, ram” pela Nacional 109 e fui literalmente atirado p’rá valeta pelos pisteiros da comitiva para dar passagem a um deles.
Pessoalmente, até talvez o ministro dos assuntos parlamentares Jorge Lacão me inspire menos repulsa. É transparente nas suas fragilidades e mente e faz demagogia sem jeito. Parece um adolescente a brincar aos políticos.
Atira a pedra e foge, apontando para o lado. Mas nota-se a léguas que é um jogador, um actor estagiário. O seu narcisismo é, apenas, emoliente e não agressivo.
Sócrates, não. Quando fala para as câmaras parece ter contas a ajustar com quase toda a gente. Os seus esgares e os seus gestos são contidamente nervosos. Mente descaradamente. Mais grave ainda é que acredita naquilo que diz (esquizofrenia?) ou pensará que é muito mais fácil fazer o povo acreditar na mentira que o inverso, sendo certo que há verdades que não inspiram confiança?
Olha-se para ele e é como se estivéssemos a ver alguém que, desesperadamente, procurasse passar uma imagem de firmeza, convicção e autoridade. Mas não…, em Sócrates tudo é forçado e esforçado. É um político em stress permanente. Apetece fugir dele...
Eu já tinha desconfiado e agora pude confirmá-lo neste último mês.
Politicamente falando, Sócrates não é uma grande espingarda...Espero que o PS, eleitoralmente, lhe sobreviva...

Pobre país o nosso, condenado a esta triste e penosa sina de pedintes.
Pior ainda, é para além disso ter-mos de escolher para primeiro-ministro, Sócrates ou Passos Coelho, Passos Coelho ou Sócrates…

Glosando Almada Negreiros, digo apenas o seguinte: se não houver outra maneira de a gente se salvar, estamos perdidos! ...
… a não ser que apareça por aí um novo D. João IV

terça-feira, 5 de abril de 2011

Do muro e da vergonha I, ou; máquinas que matam pessoas II, ou como se queira entender...

Os muros servem para separar, tapar, para isolar, excluir, segregar.
A existir uma "expressão matemática do muro", com toda a certeza, ela seria "função" do capitalismo.
O sistema social em que vivemos tem como uma das suas premissas a acumulação, e como máxima, a individualização e a consequente exclusão.
Certa nação acolheu por 30 anos um muro que recortava um país ao meio. A esse muro convencionou-se chamar “Muro da vergonha”.
Ora, os muros servem para por fim a hiatos sociais vergonhosos e por isso quase todos podem ser denominados “os muros da vergonha”.
Quem ergue um muro é por que tem vergonha de algo, algo ou alguém para esconder, algo ou alguém para temer.
Degraus sociais cada vez maiores, resultantes de um sistema social meritocrata levam-nos à construção de uma humanidade emoldurada por muros. Barreiras físicas, sociais, ideológicas, étnicas e culturais fazem proliferar muros numa sociedade onde a tolerância escasseia a cada dia que passa. É mais fácil erguer um muro do que tentar solucionar diferenças e incentivar a tolerância.
Exemplo de um muro muito bem erguido pelos pilares da sociedade moderna tem o nome de automóvel:
No século XIX, o estalar dos chicotes lançados sobre os dorsos dos cavalos que puxavam as carruagens sofreram um grande revés. Um barulhento motor a vapor montado sobre a carruagem emudeceu os gritos dos cocheiros e o ricochetear dos chicotes. A partir daí sistemas de travões, de aumento de potência, de fabricação em série, etc, trataram de bifurcar a história da locomoção humana. Para um lado seguiram as carruagens e para o outro o automóvel.
O Benz, desenvolvido em 1855, contava com 2 lugares, 3 rodas e um motor de 4 tempos que o levava a velocidades máximas de 13 Km/h. Foi o primeiro veículo autopropulsionado. Foi o marco onde a diferença entre carruagens e automóveis se tornou visível.
No começo, os automóveis eram abertos, susceptíveis às intempéries do clima. Com a evolução apareceram os vidros, o tecto, portas, etc. O homem logrou locomover-se com mais rapidez, segurança, e sob qualquer clima. As distâncias ficaram mais curtas e, a salvo do clima, o ser humano ficou mais saudável.
A tecnologia aplicada aos veículos, estimulada pelo motor do capitalismo plenamente desenvolvido, transformou os carros em objectos de fetiche e símbolo de status. Com o aumento constante do preço e a crescente fetichização do meio de transporte o automóvel tornou-se um símbolo de status social.
A aristocracia e a burguesia desfilaram, a partir de 1950, em automóveis condizentes com a expansão global do capitalismo moderno, enquanto que o imprescindível Exército Industrial de Reserva (EIR), engrossava as estatísticas de fome e exclusão social. Como já é sabido o capitalismo necessita da seiva humana para azeitar o seu desenvolvimento por dois lados distintos:
- De um lado, a mão-de-obra de onde se extrai a mais-valia e,
- De outro, o EIR, que garante o baixo preço da reprodução da mão-de-obra.
Desde essa época os desempregados de todo o mundo ouvem o inebriante ronco dos cilindros dos motores mais modernos, enquanto que as classes mais altas, apenas sentem as vibrações de dentro dos habitáculos completamente vedados de seus veículos.
Emoldurados por uma mistura de aço, vidro e borracha os mais ricos possuem um muro ambulante a serviço da exclusão social.

A rua, supostamente um local de sincretismo social, de comunhão de todas as classes, credos e origens, transforma-se numa praça de batalha onde os incluídos do capitalismo circulam com os seus automóveis, enquanto que a imensa maioria da população espreme-se em transportes coletivos miseráveis, ou mesmo a pé.
A elevação de mais este muro tomou proporções inimagináveis nos últimos anos. A tecnologia empregada nos automóveis visa, cada vez mais, o isolamento do motorista e dos seus convidados das condições sociais do mundo exterior. A protecção com relação ao clima já foi superada há muito tempo pela protecção com relação às adversidades sócio-economicas. A modernidade dos séculos XIX e XX foi comprimida pela ausência de homogeneidade e pela individualização que traz a pós-modernidade. O carro tornou-se o simulacro da realidade, tornou-se o ambiente que permite à elite circular pelo meio da pobreza protegidos das intempéries dos excluídos.

Em Portugal o muro é cada vez mais evidente. O País é hoje um dos maiores consumidores de carros topo-de-gama da Europa, enquanto que cerca de 50% da população vive com o ordenado mínimo e alguns até na miséria. Cada vez mais o muro é mais denso e o fosso mais profundo. A indústria automobilística mobiliza os seus projectos para produzir pedaços de metal hermeticamente fechados e protegidos da realidade. A tecnologia costura revoluções no sentido de resguardar os possuidores de autopropulsionados daquilo que efectivamente os cerca.
Rodas e motores fazem avançar rápido; teto, ar condicionado, ar quente protegem do clima, vidros blindados da violência; aparelhos de CD protegem do som externo; volantes e estofos confortáveis, da textura; enfim, um automóvel topo-de-gama consegue isolar 4 dos nossos 5 sentidos de percepção.
A minha ténue esperança é que os vidros dos carros ainda cumpram a função de postigo e nos permitam espreitar o lado de fora para que saibamos que algo necessita ser feito e que com certeza encapsular os seres humanos num mundo do lado de fora dos carros não é a solução.
Desse último resquício de contacto entre um lado e outro do muro é que resta uma ponta de esperança. Ainda nos dias de hoje costuram-se tentativas de reduzir o número de muros e de aumentar a tolerância. Esse último vão que nos permite enxergar o lado de lá ainda nos traz esperança por meio de promessas.
Promessas são o resultado de gente que luta para que este último postigo, essa última janela, esse último sentido humano, sirva para formar consciência e lutar com eles contra o fecho hermético desse muro social. As promessas são, pragmaticamente, tudo e todos que por meio de acções, se comprometem em não deixar a janela fechar-se e dão esperanças sobre um mundo melhor sem muros. As promessas de um mundo mais justo e sem muros tem como força de trabalho essas pessoas que incentivam e promovem a equidade social.
Quanto menor o hiato social e quanto maior a tolerância, menos os muros se sentem fortes para crescerem cada vez mais. Quanto mais prometido está um mundo melhor sem muros, mais os buracos nele aumentam e menos um tijolo é empregue na sua construção.

É urgente construir consciência por meio das pessoas convictas da melhor evolução da humanidade com menos muros e que por isso, por meio de promessas, ganhem adeptos que auxiliem na redução das barreiras. Não precisamos de demagogos e promessas vazias, mas sim promessas fundamentadas no empírico. Promessas que imbuam as pessoas a olharem por essa última janelinha no muro. Promessas que sirvam como uma voz do outro lado tentando aliciar-nos a conhecer essa outra realidade. Uma imagem, um som que ao menos crie a curiosidade de saber o que se passa do lado de lá.

Gosto de muros que caem.
Gosto de limites que se transpõem.
Sobretudo, gosto da esperança que enche o coração de quem acredita.
Trinta anos depois, continua a haver muros por cair.
Uns, de tijolo.
Outros, feitos do preconceito, de rancor, de ódio, de medo, de ignorância, de sobranceria, de insensatez.
E são estes, os metafísicos, que, trinta anos passados, me aterrorizam e me dão vontade de, pelo sim, pelo não, andar sempre com um martelo no bolso, não vá haver um tijolito ou outro para deitar abaixo.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Carta aberta ao Bastonário da Ordem dos Advogados



Meu Caro Marinho (nem sabia que eras Pinto, imagina tu!)

Confesso que, se fosse advogado, na tua última candidatura não sei se votaria em ti para bastonário da Ordem dos Advogados (OA), mas nos teus opositores (os que têm as pastas, que estão agarrados ao osso e não o largam para ninguém) é que eu não votaria certamente.
Caríssimo, sabes que anda para aí muita gente lixada contigo depois da recente alteração à taxa de inscrição na Ordem, aplicável àqueles que já o haviam feito aquando da candidatura.
Diz lá meu caro, foi uma vingançazita por teres sido obrigado a admiti-los depois daquela catrefada de Acórdãos do STA, não?
Nem imaginarias certamente que “os filhos de Bolonha” te tivessem feito engolir uns sapitos pois não?
E vai daí, pumba (“eu é que sou o Presidente”), alteração estatutária que é para aprenderem a não se meterem com um transmontano dos quatro costados.
Mas atenta Marinho, a partir de agora, convém que não facilites nos descampados, porque a matilha (a tal que não larga o osso e os que tiveram que virar os bolsos do avesso a meio do percurso) não te perdoará a imprudência da facada extemporânea...

Mas isso não me impede de torcer por ti na próxima eleição para Bastonário porque entretanto pretendo fazer o estágio e porque tu vais ao terceiro, certo?, a não ser que os actuais detractores formem uma “Nova Ordem” e aí ser confrontado com a dúvida; votar numa instituição lúgubre, arcaica e tenebrosa (que tu por certo neste 2º mandato irás alterar) ou noutra pejada de Playstations, Nintendo 64, X boxes, blackberry’s, videogravadores, mesas de mistura, computadores última geração, chatrooms e Internet?
Desejo, claro, que ganhes, pois sou da velha guarda e sobretudo porque:
1 - és um "velho" compincha e um colega de curso protege-se sempre, a não ser que não seja um Justo qualquer;
2 - sei que dizes o que pensas (mesmo que, algumas vezes, não penses o que dizes nem digas o que seria de ouvir);
3 - te não deixaste hipotecar profissionalmente à advocacia e continuas a praticar o jornalismo no Notícias e no Expresso não é?,. É que, por mais que não seja, vais matando o vício e só cá para nós; dá sempre jeito enorme arrear umas mocadas em certos macambúzios através dos jornais porque assim não há a possibilidade de levar com umas bocas em directo como na TVI, é que um homem por muita coragem, humildade e retórica que possua fica um bocado desasado com determinadas afrontas.
Estou seguro que mesmo que te candidates a um 3º mandato, nunca serás eleitoralmente trucidado pelo "establishment".
Tu não és de ter medo, e sendo certo que a parte dos advogados que irão às urnas e que aspiram à mordomia corporativa, mais depressa votarão nos instalados do que no "desinstalador", certo será que irão confrontar-se com o arrojo e o voluntarismo do teu "combate".
E isso é o bastante para eu te desejar que até lá nada te aconteça.
Nunca fiques afónico, nunca permitas algo que justifique novamente o uso de bengala.

Aquele abraço,
Força, camarada! ;)

PS: A grande percentagem de chumbos que se verificam actualmente nos cursos de direito nada têm a vêr com eventual influência tua pois não? não é que me assalte a dúvida, longe de mim colocar em causa a tua honorabilidade e o teu sentido de dever, a tua seriedade está acima de tudo, mas é que já andam por aí umas bocas em surdina e sendo os professores “ante” e “pós” Bolonha os mesmos!, e não sendo a culpa dos professores…
Bem, tenho para mim que tudo tem a vêr com as capacidades desta dita geração “à rasca” o que até dá um certo jeito às depauperadas economias das Universidades após o corte das subvenções (é que são mais recursos, mais matrículas, etc.).

PS 2: Como certamente saberás, na comemoração do XXV aniversário da fundação, em 1951, a Ordem dos Advogados foi condecorada, em sessão solene presidida pelo Presidente da República de então, com o Grande Oficialato da Ordem de São Tiago de Espada. E porque a Presidência da República detém o exclusivo da patente e ouvi dizer que o stock é limitado, no caso de não voltares a candidatar-te e como justamente aspiras a ser reconhecido pelos teus méritos literários, científicos e artísticos era a altura de começares seriamente a pensar em contactar a Presidência não vá o diabo tecê-las e quando chegar o Natal já não tenhas direito a prenda natalícia apropriada.

domingo, 3 de abril de 2011

Ontem nem sequer jantei

Ontem nem sequer jantei. No computador, escrevia os últimos apontamentos tentando forçar a memória para o teste de amanhã na Universidade.

A televisão como habitualmente, companheira de tantas horas ia-me informando das coisas, coisas importantes.

Disse-me de cursos de ministros, de professores de ministros, executores de políticas, da existência de um título que os defina, que lhes dê importância.
Falou-me de outros que não são ministros mas desejam ser ministros, da sua indignação perante a falta de confirmação das valências do que entre todos é o primeiro.

Explicou-me que no ecrã as pessoas tornam-se mais pessoas, que entre filhos abandonados existem uns mais abandonados que outros, com pais mas sem pais adoptivos, presos, sem o apoio da nossa opinião.

Fez-me acreditar que afinal já não é preciso mais um aeroporto (mas que temos de o pagar porque as expropriações já foram feitas) porque três aeroportos são suficientes, porque três é a conta que Deus fez, porque sim, porque mesmo sem dinheiro podemos fazer romarias nesses locais de culto, olhar o progresso e sentirmo-nos nele.

Convenceu-me que na agricultura, o problema afinal não é a produção mas sim os agricultores, que não souberam semear o dinheiro que receberam, fadado que estava ao crescimento, desperdício de boa vontade.

Explicou-me que lá fora, em Bruxelas, acreditam no caminho que seguimos mesmo que nós não saibamos qual é, tudo uma questão de fé.

Mostrou-me que na Assembleia da República também existem seres humanos com virtudes humanas e defeitos humanos (um abraço à saudosa Odete pela sua maneira honesta de ser, mesmo quando é inconveniente… já lhe sinto a falta), que também se vão embora com não-sei-quantos mandatos, de trabalho intelectual árduo e possivelmente sem entrada directa numa das grandes empresas sedentas de assessores, paciência…

Contou-me a história de um parto numa ambulância, em S.J. da Madeira, a mim, que não sei de ambulâncias mas sei o que é levar uma mulher a parir, a dezenas de quilómetros de distância do local onde resido, noite passada numa pensão, “Ainda não é hoje, o melhor é ir-se embora e vir amanhã.”, eu que não fui, não só porque era o meu primeiro filho(a), mas porque não tinha autocarro àquela hora e não tinha o dinheiro necessário para o táxi.

Fiquei por lá a dormir num quarto de aluguer.
“Pode entrar, já nasceu, parabéns, é uma menina.”, oito horas da manhã.
Uma menina?, mas nas consultas tinham-me dito que era um rapaz.
- Eu queria era um rapaz.
- Vim-me embora cheio de raiva.
- Percorri a pé dezenas de quilómetros pela auto-estrada que ainda não o era a berrar como um louco.
Afinal a médica de família tinha-me enganado
Eu com 18 anos era pai de uma menina, linda, perfeita, graças a Deus.
Passaram-se tantos anos e esta já era a realidade, mesmo quando fizemos um cordão humano e a ministra da saúde, Maria? De Belém? (que nome mais apropriado), e o Sócrates e o Cavaco e tantos, tantos nos disseram que tínhamos de fecundar mais, não nascíamos em número suficiente….
Poderemos nós morrer em número suficiente para garantir as reformas?

Passaram treze horas desde que abandonei o ecrã amigo.
Depois disso fiz o resto do serviço, desliguei equipamentos e luzes, dei um beijo à bebé fechei a porta e fui para o teste.
Tentar o título que tarda.
Mas não quero ser Ministro.
Agora cansado estou a escrever (decididamente a hora não ajuda). Apeteceu-me desabafar…

Amanhã, vou estar coma minha filha (que era para ser filho) e com a outra (que já era para ser menina) e com a outra (que me roubaram) e com a mais pequenina e com o meu pai (que também já partiu) e com os que não estão e todos com que eu possa estar.

É sempre assim, esteja onde estiver…


Solidário,
sendo assim escrevo por eles, em mim…
O texto ainda não está lido, nem publicado e talvez fora melhor que nunca o seja, mas é esse o seu destino, o destino de todos os textos…
Hoje, ao fim de cerca de 17 horas, sem me ligar ao mundo deixo aqui o meu testemunho.

sábado, 31 de maio de 2008

Análise crítica à Lei da Procriaçao Medicamente Assistida

Manuel Fernando de Sousa Gomes
Universidade Católica
Porto, 2 de Maio de 2008

Análise crítica à Lei da Procriação Medicamente Assistida
Lei da Assembleia da República
Lei nº 32/2007
De 26 Julho

Aspectos Gerais
Um pouco de história:
O primeiro bebé proveta nascido intra-fronteiras foi o jovem Carlos Saleiro, jogador do Sporting Clube de Portugal, actualmente a jogar no Fátima e seleccionado dos sub-21. Nasceu em 25/2/86.
Em Portugal, apesar do art.º 67/2, al. e) da CRP (1976) já impor ao Estado legislar sobre esta matéria técnica subsidiária da fertilização natural, nasceu Saleiro e fez-se a luz, ou seja, fez-se a Lei - o Decreto Lei 319/86 de 25 de Setembro (como somos ágeis).
Antes da promulgação Lei 32/06 foram apresentados vários Projectos Lei pelos vários partidos com assento na Assembleia da República, e solicitados alguns pareceres às mais várias entidades com autoridade científica, moral e ética sobre o assunto (Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros, Associação portuguesa de Bioética, etc.). Entre os pareceres, o do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – quiçá o mais avalizado, curiosamente (ou não) não foi seguido.
Ao invés da análise costumeira neste tipo de trabalhos, começaria justamente pelo último artigo da Lei, seguindo depois paulatinamente e cronologicamente pelos temas aí plasmados que me parecem ostentar as maiores incongruências e sei lá mais o quê!

Então comecemos:
Artigo 48.º (Regulamentação)
– Diz este artigo que o Governo aprova, no prazo máximo de 180 dias após a publicação da presente lei, a respectiva regulamentação. Se bem me lembro, aquando da promulgação da dita, o Presidente da República, Dr. Cavaco e Silva enviou mensagem à AR no sentido da mesma, sobre determinados aspectos carecer de ser regulamentada. Pois bem, essa regulamentação só foi publicada no DR 29 SÉRIE I de 2008-02-11, através do Decreto Regulamentar n.º 5/2008. (Não será isto uma omissão grave? ou será que o Dr. Manuel Pizarro andava mais preocupado com a sua nomeação para a actual tarefa de Secretário de Estado da Saúde?
Artigo 1.º (Objecto) - A presente lei regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA). Não nos parece verdade, pois regula tb o destino de embriões à investigação científica (art.º 9 – liquidação de embriões para outras finalidades), maternidade de substituição (art.º 8), e o diagnóstico genético pré implantação (arts 28 e 29), que nada têm a ver com PMA como adiante desenvolverei.
Art.º 11 – A lei pressupõe que as práticas de PMA são actos médicos, no entanto verifica-se em face do art.º 4/2 que não é apenas técnica de superação de infertilidade mas tb da produção heteróloga. E esta é tratamento? E quando se diz "tratamento de doença grave" não se quererá sugerir a produção heteróloga de embriões para tratamento de doenças graves? Então deveremos entender que as técnicas de PMA conforme o nº 1 do art.º 4º, são efectivamente 1 método subsidiário de procriação o que em face da ambiguidade da Lei que no fundo permite mais do que aparenta, abre perigosamente 1 janela para resultados bem mais graves, como os lobbys empresariais e interesses médicos de finalidade duvidosa.
O art.º 5º estabelece a administrativização do sistema, desde logo pelo facto de as técnicas só poderem ser ministradas em centros autorizados pelo Ministro da Saúde supervisionadas e fiscalizadas pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida a quem cabe nomeadamente, o registo de dadores, beneficiários e crianças nascidas conforme art.º 30 (com toda a burocratização implícita)
Os Beneficiários - Beneficiários são as pessoas a quem o ente nascido de técnicas de PMA seria destinado. Do art.º 6º resulta que beneficiário deve ser 1 casal de sexo diferente, o que qto a nós é 1 cautela importante no sentido de evitar o uso abusivo destas técnicas o que mesmo assim não evita o seu contorno com determinadas idas, nomeadamente a Espanha (quer por preconceito tenebroso e encapotado ou ingenuidade confrangedora).
Já no que respeita ao nº 2 do art.º 6º, e se algum dos candidatos sofre notoriamente de anomalia psíquica mas não está interdito nem inabilitado? O centro que aplica as técnicas de PMA pode avançar? Parece-nos que aqui a lei é omissa.
Gravemente omissa é também a Lei quando não menciona pais ou progenitores, porquanto essa situação se verifica na inseminação artificial homóloga e não na heteróloga. Assim sendo, no caso da inseminação heteróloga não se poderá falar em continuidade biológica e sim em pais de destinação ou pais sociais do novo ser que nada têm a ver com a constituição do genoma deste, o que em face do consentimento informado previsto no nº 5 do art.º 9º que pressupõe 1 forte ligação humana e não mero negócio jurídico exclui desde logo a inseminação homóloga, isto é, os beneficiários podem doar os embriões a outro casal (art.º 25/2 e 3) inclusive consentir a sua utilização cientifica (art.º 9/5). Então entendemos que o vínculo não é familiar nem sequer de base biológica sendo os beneficiários decisores da vida e morte do embrião. Será por isso que o nº 2 do art.º 22 diz que os embriões podem ser doados? Ou afinal não se defrontam apenas questões de natureza contratual?
Inseminação artificial – art.º 19/1 - A inseminação com sémen de um terceiro dador só pode verificar-se quando, face aos conhecimentos médico-científicos objectivamente disponíveis, não possa obter-se gravidez através de inseminação com sémen do marido ou daquele que viva em união de facto com a mulher a inseminar. Só qd não for possível com sémen do marido ou do companheiro? Surpreendente. O que parece ser 1 restrição, afinal mais não é do que a permissão da inseminação heteróloga. Com que fim? Parece-nos que no que concerne à fecundação heteróloga é no fundo estender sub-repticiamente à UF a presunção de paternidade estabelecida no art.º 1839/3 do CC, i.é, 1 forma de legalização enviesada.
Art.º 22º - É de louvar, pois é 1 questão que pode provocar as maiores perturbações nas relações familiares e sucessórias. Aqui se verifica que mesmo que a lei seja violada é sempre possível estabelecer a filiação do ente nascido recorrendo mais 1 vez ao art.º 1839/3 CC.
Anonimato ou Identificação do dador - Confidencialidade. Contrariamente ao proposto no parecer do CNECV a lei defende o ppio da confidencialidade quer no que diz respeito ao acesso sobre a identidade dos participantes quer sobre o próprio acto de PMA (art.º 15/1). Ora, parece-nos que nomeadamente no que diz respeito à procriação heteróloga acreditamos que mais 1 vez concorrem os poderosos interesses empresariais pelo que nos é dado admitir que na inversão clara da posição do CNECV aquando da aprovação da Lei na Assembleia da Republica falaram mais alto os interesses empresariais. Senão, vejamos o n.º 2 e o n.º 3 e as absolutas restrição ai implícitas. E mais, qd se infere da interpretação do n.º 4 esta ser 1 clausula aberta que permita a possibilidade de acesso a essas informações, mais não é do que dar azo ao puro arbítrio judicial, sem fixação de quaisquer critérios que pautem a intervenção dos juízes.
Aqui subjazem questões essenciais;
E então os impedimentos dirimentes relativos constantes no art.º 1602 do Código Civil?
E as considerações relativas aos Direitos Fundamentais constantes na CRP, nomeadamente nos preceitos do art.º 26/1 que reconhece o dto à identidade pessoal e no nº 3 que garante a identidade genética do ser humano?
A ser assim, parece-nos que uma criança que nasça de gâmetas anónimos é no fundo 1 ser amputado.
Fertilização in Vitro - Em face do entendido, a PMA abrange a criação deliberada de embriões (art.º 24) para utilização cientifica (art.º 9/2 a 5), embora a proíba (art.º 9/1) e isso assim se verifica (art.º 10/1) ao prever-se a dádiva de ovócitos, espermatozóides e de embriões, o que implicitamente admite a procriação heteróloga.
Artigo 18.º. Daqui resulta que nenhum valor pode ser atribuído a esse material no cálculo de retribuição (art.º 17/1). E a correspondente sanção? É o mundo do faz de conta, o Nacional porreirismo no seu melhor, nomeadamente no que concerne à dádiva gratuita de ovócitos.
Urge portanto regulamentar, quer através de regulamentação específica quer seja por via do Código Penal a correspondente penalização à sua violação.
Art.º 25º. Não parece que a norma tenha conteúdo. Afinal que compromisso existe? Existe alguma regra que imponha a obrigatoriedade da utilização dos embriões durante esse período? Onde está a sanção? Será eventualmente um apelo dissimulado a uma segunda gravidez?
Art.º 25/2 - Já vimos que o art.º 10, o art.º 17/1 e o art.º 25/2 admitem ou referem a dádiva de material genético e embriões o que implicitamente significa que estes elementos genéticos são de ordem pessoal e não "coisa" no sentido do art.º 202 e seguintes do Código Civil. É que ao falar-se em doação, implica necessariamente que o objecto seja uma "coisa". Ora, se o elemento genético não é coisa então porque se fala em doação? Mais grave ainda é qd se lê no art.º 25/2 e 3 que "decorrido o prazo de 3 anos podem os embriões ser doados a outro casal mediante o consentimento dos beneficiários originários. Então se os beneficiários não coincidirem com os que forneceram os gâmetas e serem eles também destinatários, eles são donos?
Partindo do princípio que há PMA homóloga, o art.º 1878 do CC que regula o poder paternal determina que "compete aos pais, no interesse dos filhos, representá-los ainda que nascituros". Aqui estamos perante um direito/dever porquanto a representação é atribuída no interesse do representado. Então como é possível a doação? Parece-nos que não cabe no interesse do representado ser doado e muito menos ser entregue para ser aniquilado para outras finalidades como as previstas no art.º 25/5 e art.º 9 "investigação científica".
Embriões excedentários - A lei compreende uma proibição e 1 recomendação. Curioso é que a Lei mais uma vez não prevê qualquer tipo de sanção. Provavelmente foi uma falha técnica do Legislador.
Na prática o que se verifica é o excedente de embriões. Será inevitável a produção excedente de embriões?
A prática na Áustria, Alemanha e curiosamente em Portugal nos hospitais de Coimbra demonstram o contrário. De que forma? Simples. Basta o processo de fecundação até ao momento anterior à singamia e aí suspendê-lo por meio de criopreservação. Assim teremos não um embrião mas sim um pré-embrião. Querendo-se prosseguir basta proceder ao descongelamento para que a singamia se complete.
O que verifica é 1 total indiferença da lei perante a criação de embriões excedentários.
Investigação cientifica - Os embriões excedentários do tipo do art.º 9/4, al. a) e c) e os do art.º 25/3 (desde que não haja projecto parental), seriam destinados, em ppio à investigação cientifica desde que devidamente autorizados pelos beneficiários.
No mínimo consideramos este desiderato inquietante. Não estaremos mais uma vez perante interesses médico empresariais? Não será isto mais do que o simples ensejo do aproveitamento da liquidação dos embriões para obtenção de células estaminais? Então assim não sendo de onde advêm os gâmetas e embriões a não ser da investigação científica? Afigurasse-nos que não provêem de nenhum hipermercado ou de uma qualquer mercearia de esquina.
Liquidação de embriões – O embrião tem 1 genoma inteiramente definido que faz dele 1 ser único e irrepetível. Após o processo da singamia, este já fica definido quer a na sua identidade no seu eixo e na sua matriz genética, e assim parece-nos que entregar 1 nova vida autónoma para ser aniquilada mesmo para investigação cientifica é demasiado grave, agravada até pelo facto dos progenitores serem representantes do nascituro e essa representação ser feita no interesse do representado. Assim o argumento que abona em torno da entrega do embrião para destruição parece-nos o argumento do mal menor ultrapassando toda e qualquer ponderação ética e moral utilitária.
Clonagem – O art.º 9/4, prevê a utilização para a investigação científica de "embriões obtidos sem recurso à fecundação por espermatozóide", o que implica parece-nos, salvo melhor opinião, de forma dissimulada a clonagem mesmo sendo esta proibida conforme estatuído no art. 36/1 e até em CV’s internacionais de que Portugal faz parte (Protocolo de proibição de clonagem anexo à Convenção de Oviedo).
Por outro lado o texto do mesmo artigo na alínea d), abre uma excepção. Este disparate, irresponsabilidade e enorme falta de senso não visará experimentações com clones no útero? Este absurdo até no plano da razão e da inteligência não será mesmo abrir uma auto-estrada à clonagem reprodutiva?
Maternidade de substituição - Conforme o estipulado no art.º 8 o que se pretende é abolir a questão negocial e muito bem. Mas já não tão bem nos parece quando, como infere do mesmo artigo, a maternidade ser atribuída a título de sanção. O interesse prioritário é o do novo ser, e da leitura do artigo subentende-se que ele é de todo menosprezado com semelhante vínculo jurídico de filiação, pois o ppio fundamental da filiação na nossa Ordem Jurídica é o da continuidade biológica.
Se o sémen provir do marido ou companheiro e for fecundado o óvulo do cônjuge e a gestação se der no útero de terceiro não se sabe a origem biológica?
Imaginemos por exemplo uma mulher que tem carcinoma do colo do útero e não pode receber o embrião. Não será de todo em todo aceitável (claro está, sem interesses de natureza comercial) que o seu embrião possa ser recebido no útero de outra mulher?
Por outro lado, se tivermos um embrião e não havendo possibilidade de lhe dar o seu direito absoluto à vida e ao desenvolvimento no útero do casal, recorrer à utilização de um útero que vai possibilitar e permitir salvar essa vida que já foi constituida, será moral e eticamente censurável?
Diagnóstico Genético Pré-implantação – O art.º 2, alínea e) inclui as técnicas. O art.º 7 restringe as situações em que é possível utilizar o (DGPI), depois regulada nos arts 28 e 29.
O objectivo desta técnica é a averiguação de anomalias antes da transferência para o útero da mulher. Está implícito que a finalidade é a rejeição dos embriões anómalos cujo destino é a investigação científica.
Nenhuma orientação ética consta da lei.
Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) – Do exposto no art.º 30 e art.º 31 da Lei, cumpre-nos aqui plasmar o nosso profundo lamento porquanto mais uma vez se verifica que todos os seus elementos emanam de entidades políticas. É o Estado no seu melhor. Mais uma vez, quiçá, por inobservância do Legislador a necessária presença da Ordem dos Médicos, das Universidades, das Comissões de Ética, etc., foram votadas ao ostracismo.
Da leitura do artigo particularmente importante parece-nos a função do CNPMA acompanhar a actividade dos centros onde são ministradas as técnicas de PMA e a fiscalização da presente lei.
Apreciação Ética – Apreciação tremendamente difícil. Há o desvalor da provocação deliberada da destruição de uma vida humana emergente e correspondente perda que daí pode derivar e por outro lado e não sendo medicamente viável o embrião está condenado a um perecimento que não traz qualquer vantagem social o que em termos de moral utilitária pesa mais o benefício a retirar.
Assim é necessário proceder com as maiores cautelas porque o sacrifício de embriões é um mal e não foi assim que se legislou.
- O Embrião é vida
- Vida humana, não "coisa humana"
- Vida nascente, porque o seu desenvolvimento natural conduz ao nascimento
- Vida diferenciada, porque mesmo in utero tem a sua própria vida, podendo sobreviver após a morte da própria mãe.
- Não é parte do corpo da mãe, porque desde o início, o embrião tem um genoma único que o identifica, sendo que se há um genoma diferente, há também uma vida humana diferente.

Conclusão
A lei nº 32/06 apresenta inúmeras deficiências jurídicas.
A intervenção médica só faz sentido se for para tratar a infertilidade do casal
Podem criar-se livremente embriões por clonagem?
Podem aniquilar-se embriões para extrair células estaminais?
Qual a origem dos gâmetas ou embriões que são preservados para serem utilizados em PMA heteróloga?
Entidades com fins lucrativos dispõem de material genético que não pode ser comprado? - - Só pode ser "doado" sem qualquer remuneração? Então como se explica a disponibilidade de embriões comercializáveis? Será tudo fruto de gestos altruístas em benefício de clínicas sem fins lucrativos?
O pressuposto da investigação científica é o de aportar paz social e benefícios à humanidade.
A lei nº 32/06 sobre vários aspectos não será um retrocesso enorme à época da 2ª Guerra Mundial? Ao arianismo? Ao berçário?
- Estamos a passar da investigação no embrião para a investigação com o embrião?
Não estaremos em presença de um conto de fadas?

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Universidade Itinerante do Mar - 2007 - Curso 1 - Creoula (Parte I)

Já passaram alguns dias, mas contudo, não poderia deixar de aqui plasmar algumas considerações sobre o que adjectivo de aventura extraordinária, repleta de imponderáveis, tendo sido de facto uma experiência única aquela que conjuntamente com mais 41 formandos oriundos das Universidades do Porto, Algarve e Oviedo sob a tutela de 8 eminentes docentes dessas Universidades pude realizar a bordo do Navio-Escola "Creoula" e que jamais esquecerei.
Sendo que o Diário de Bordo ficará para outra guerra, começo por exprimir o meu triste lamento acerca do transporte que levou a malta do Norte ao encontro dos colegas provindos da Universidade do Algarve e da Universidade de Oviedo, em hora previamente definida, na Base Naval do Alfeite, que se situa da banda de lá do Rio Tejo.
Pontuais como Britânicos (ou chineses?), lá nos juntamos à horinha aprazada (antecipadamente até), ali mesmo em frente à Câmara Municipal do Porto, aguardando por um autocarro daqueles de classe executiva (com W.C. e tudo), enquanto verdadeiros legitimários de D. Afonso Henriques e assim que este nos permitisse irromper em Lisboa com verdadeira "pompa e circunstância".
Treta...isso mesmo, treta. Tocou-nos um daqueles autocarros quase do meio do século passado, com ar condicionado inovador, ou seja, a água escorria directamente do tecto para as nossas cachimónias, sendo que para colorir mais o quadro, ao volante desta verdadeira relíquia se apresentou uma não menos caricata figura, um verdadeiro artista, com o cabelo empastado de gel, uns valentes "raybantes nas trombas", camisa aberta mostrando o "verdadeiro" cordão de oiro com cruz a condizer, exibindo toda a penugem, agasalhado com uma daquelas modernas camisas rosa choque apinhada de flores (para impressionar as catraias) e empunhando um não menos arcaico GPS com o qual demonstrou patavina (não o sabia manusear).
Chegados a Lisboa (trânsito infernal) e após bastante tempo de atraso, lá chegamos à Base do Alfeite, cheiinhos de fome.
Foram-nos mostrados os nossos aposentos (que mais tarde deram para recordar e de que adiante falarei), e só depois é que nos convidaram então para o famigerado jantar.
Depois de um começo de alguma forma desagradável, surpresa das surpresas... imaginem só, que para além do "Oficial de Dia, Cadetes, Sargentos e Praças", onde se destacava um oficial ((femea), de se lhe tirar o chapeu), a darem-nos as boas-vindas, tivemos direito a recepção arbitral e tudo.
Então não é que que quando entrámos naquele salão enorme e majestoso, apinhado de memórias de antigos e grandes Comandantes da Marinha, de armas e brasões assinalados, não nos deparamos com a maior comitiva jamais reunida num só espaço de "amigos do alheio"?, perdão... digníssimos Juízes de futebol e seus acólitos... perdão novamente, Juízes de campo e seus digníssimos auxiliares. Pasmem...todos juntinhos, enfardando comida como verdadeiros lateiros. Pois é... estavam lá para treinarem com os seus auxiliares os famosos intercomunicadores. Pois eu acho que era sim treino ao físico, pois não saíam do refeitório.
Mas bem... o melhor da coisa foi de facto a comida (simplesmente deliciosa).
Após o jantar, dirigimo-nos ao bar dos oficiais para um café curto (acho que para aquelas bandas não se chama assim, porque nunca mais era-mos servidos, imaginem se o pedisse-mos cheio) e um digestivo, mas foi tal a demora (devido ao atascamento pelos homens vestidos de negro, vulgo, árbitros), que juntos, e aí já acompanhados pelo pessoal do Algarve (espectaculares), e pelos "Nuestros Hermanos" (estes assim, assim), rumamos em direcção ao bar de praças onde conjuntamente com um Sr. Sargento de serviço (estava lá, vá-se lá saber porquê!!!), poucos se safaram de um terno e litroso "engarrafamento", isto devido não só aos preços extremamente reduzidos, às rodadas que apareciam de vários ângulos, mas também porque o Sol por aqueles lados demora mais a pôr-se e o calor mesmo de noite dá cá uma secura que nem vos conto.
O dia acabou bem pela manhã dentro e depois é que foram elas…
Chegados às camaratas e com o peso na “consciência” que todos transportávamos foi um pouco complicado o adormecer, não só devido à rotação das camas, mas também e curiosamente (um fenómeno inexplicável, até porque não se tratava de uma camarata mista), as camas faziam uma chiadeira terrível, o que naturalmente provocava uma explosão de gargalhadas intermináveis, por entre piadas jocosas e cavernosas de alguns mais espirituosos entre os quais eu naturalmente me incluía.
A aventura continua...